É no mínimo interessante perceber como dá pra medir a vida através da literatura. Do que você escreve e do que você lê. Do que você coloca e do que você tira disso. Da ficção em geral. Percebi um relance do que era, talvez, ser adulto quando percebi que minha relação com personagens adolescentes tinha mudado. Não que haja um bloco determinado de tempo com linhas bem definidas pelas quais você passa para ser considerado adulto; é só aquela sensação, agora já não mais tão estranha, de que há uma parte da vida à qual você não pertence mais. E que a vida já é grande o bastante para você conseguir olhar pra trás e ver as pessoas que você foi antes de chegar até aqui.
Esse talvez seja o primeiro momento da minha vida em que consigo enxergar essas coisas mais claramente. Talvez esse tenha sido o meu 2012, afinal; um ano de lucidez, e por isso a minha bio aí do lado agora faz tanto sentido. As coisas não melhoraram, e não digo isso pra fazer parecer que nada presta nessa vida, mas sim porque o que importa é que o modo como lido com elas mudou. Hoje eu posso dizer que conheço muito mais de mim do que conhecia antes; é engraçado perceber como também precisamos nos conhecer, assim como conhecemos outras pessoas. Nada vem sozinho.
Outro dia um amigo me falou uma coisa que ficou na minha cabeça. Estávamos falando sobre um livro e ele disse que tudo que existia na vida dos personagens era passado. Eles olhavam pra trás e viam o passado. Olhavam pra frente e o passado continuava lá. Algo assim. E eu fiquei pensando: então é isso. Durante muito e muito tempo eu odiei o passado, mesmo quando ele fosse bom, porque odiava a pessoa que eu era no momento. E justamente por não suportar, eu não conseguia ver outra coisa. Eu olhava pra trás e tinha passado; olhava pra frente e ele continuava lá. Hoje eu consigo ver essas pessoas que eu odiava tanto e perceber que não sou mais nenhuma delas; embora tenha sido. O que eu sou agora, talvez seja melhor ou pior, mas ainda não tenho como saber. O que eu sei é que posso lidar com isso, e isso é tudo que importa.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.Semiergo-me enérgico, convencido, humano, (...)O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universoReconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.