Pra mim é fácil responder à pergunta "você acredita em religião?" Eu prontamente vou dizer a religião é necessária ao mundo, mas que na maior parte das vezes falha miseravelmente naquilo que se propõe a fazer, e que a culpa disso geralmente é dos próprios fiéis. Mas em geral eu fujo da pergunta "você acredita em Deus?". Essa é mais complicada.
Durante muito tempo eu evitei responder essa pergunta, porque pra mim as coisas precisam seguir uma certa lógica, e Deus obviamente não fazia parte dessa lógica. Na verdade, até fazia, quando colocado sob a luz de ser uma invenção do homem. Isso fazia sentido pra mim, fazia sentido que não existisse, fazia sentido que eu não acreditasse, mas o fato é que eu nunca questionei de verdade. Eu nunca acreditei realmente que não acreditasse. E hoje eu cheguei a uma conclusão.
Eu nasci em uma família católica que nunca foi particularmente religiosa - dessa de seguir direitinho todos os rituais e etc. Na verdade, fazemos parte daquela parcela enorme que tem a religião mais como algo enraizado no consciente através de séculos de tradição adaptada do que como a tradição em si. Depois da minha primeira comunhão, só fui a missas de sétimo dia, de formatura e de casamento. Na verdade, a coisa que eu mais gostava na igreja era olhar para as estátuas de anjos, e na maior parte do tempo morria de tédio. Não encontrei Deus em missas, em sermões de padres, e nem mesmo na Bíblia. Porque, bom, já que Ele existe, certamente é bem maior do que tudo isso.
E, como eu disse no começo, não acredito em religiões. Não acredito nesse emaranhado de regras que dizem o que você deve fazer pra não ir pro inferno. Deus foi transformado em uma entidade cruel e intransigente por séculos e séculos de más interpretações que o distanciaram cada vez mais da imagem de pai amoroso e generoso, e o aproximaram dos primeiros tempos, em que ainda era glorificado em altares com sacrifícios de sangue.
Mas então.
Desde de muito criança eu era louca por revistas e livros científicos. Eu lia as teorias sobre as divisões do átomo e sobre novas estrelas desde muito antes de poder entender do que aquilo estava falando, e ficava fascinada (e, veja só a ironia da vida, sempre odiei Física na escola). Eu queria saber como as coisas funcionavam e, pensando bem, o mais fascinante nisso era que tudo tinha uma resposta. As explosões das estrelas, as leis da física, a proporção perfeita do crescimento das árvores, até a criação do Universo, tudo isso tinha uma resposta, tinha uma explicação, ainda que incompleta. Como se estivéssemos sempre levantando um véu de uma coisa muito maior pra ver um pedacinho a mais. E sempre me fascinaram também as questões sem resposta; se existe vida após a morte, porque estamos aqui, o que acontece depois, o que está acontecendo agora. O que faz sentido e o que não faz sentido sempre se misturando.
Não tenho nada contra o ateísmo, e nunca que pretendo sair por aí ~convertendo~ pessoas, credo. Apenas percebi que, pra mim, Deus existe. Existe porque o universo existe. O homem não criou as estrelas, não criou a matemática, não criou a gravidade. O homem criou o computador, os robôs, os ônibus espaciais. Enfim, criou os modos de lidar com o que já existia. Descobriu uma maneira de ver o que já estava aqui desde o início dos tempos. Ninguém sabe o que aconteceu antes do Big Bang. Ninguém sabe se nós somos as únicas criaturas inteligentes do universo. Ninguém sabe sequer se esse é o único universo existente. A existência da humanidade pode ser descrita como um erro de cálculo infinitesimal; e, no entanto, existimos. Temos corpos que funcionam num sistema perfeito e, puta que pariu, temos um cérebro que até hoje não sabemos exatamente como funciona por completo e nem do que é capaz de fazer. Isso pra mim já é milagre o suficiente.
Não acredito que todos as desgraças do mundo aconteçam porque "Deus nos abandonou" ou porque "estamos sendo castigados pela falta de fé". Até porque o que eu chamo de Deus é, basicamente, uma força maior. Simples assim. Acredito que exista uma força maior, e essa força maior não tem obrigação de interferir em cada topada que as pessoas dão. É muito fácil dizer que a culpa é de algo maior do que nós, não é? Difícil é ver que sempre estivemos por nós mesmos. De certo modo, tudo vira nada mais nada menos do que uma transferência de culpa. Nada digno, hein?
Enfim. Como eu disse, não vou sair por aí pregando a palavra de uma força maior pelo mundo (-q), nem começar a rezar fervorosamente ou algo do tipo. Tudo continua igual, mas fico feliz de ter finalmente chegado a uma conclusão. Se ela vai mudar ou não com o tempo, eu não sei, mas no momento eu concordo com o que Einstein (foi ele, não foi?) disse sobre a ciência nos aproximar de Deus.
O espírito científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a religiosidade cósmica. Ela se distingue da crença das multidões ingênuas que consideram Deus um Ser de quem esperam benignidade e do qual temem o castigo - uma espécie de sentimento exaltado da mesma natureza que os laços do filho com o pai, um ser com quem também estabelecem relações pessoais, por respeitosas que sejam. Mas o sábio, bem convencido, da lei de causalidade de qualquer acontecimento, decifra o futuro e o passado submetidos às mesmas regras de necessidade e determinismo. A moral não lhe suscita problemas com os deuses, mas simplesmente com os homens. Sua religiosidade consiste em espantar-se, em extasiar-se diante da harmonia das leis da natureza, revelando uma inteligência tão superior que todos os pensamentos humanos e todo seu engenho não podem desvendar, diante dela, a não ser seu nada irrisório. Este sentimento desenvolve a regra dominante de sua vida, de sua coragem, na medida em que supera a servidão dos desejos egoístas. Indubitavelmente, este sentimento se compara àquele que animou os espíritos criadores religiosos em todos os tempos. - Albert Einstein
P.S.: o que não significa que essa ~força~ não esteja também nos pequenos atos. Ela está tanto na existência do universo quanto na gentileza de uma pessoa. Está tanto numa célula-tronco quanto na bondade ou no respeito. Enfim.