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2010-08-19

Meias palavras (sem um bom entendedor)

V
(I, II, III, IV)


Não é nada pessoal, mas você não suporta mais estar com ele. Na verdade, "não é nada pessoal" é apenas uma expressão que você usa para tentar não ofender, mas que não significa nada. Sempre é tudo pessoal, até demais. E as pessoas sempre se ofendem. Principalmente quando não têm motivos concretos pra isso.

Você pensa que está sendo dura demais, e que tudo acaba passando um dia. Só que esse bendito dia não chega nunca; todos os dias parecem ser sempre a cópia um do outro. As coisas não mudam e você sabe que está parada no mesmo lugar, exatamente do jeito que tinha decidido não estar. E, à noite, quando a boa e velha insônia senta ao seu lado e acende um cigarro, você tenta não cair em mais um abismo de auto-piedade. E o sol começa a nascer e você pensa "vamos começar de novo, agora vai dar certo", apenas para que, menos de doze horas depois, você fique pensando o que diabos tinha na sua cabeça para pensar que poderia dar certo.

Ele está lá, do seu lado, e você se sente um tanto culpada por achar ruim algo que começou tão bem. Mas você não pode evitar. Tédio, tédio, tédio. Nenhuma perspectiva. O loop infinito dos dias. E o pior é que ele continua ali, como se não estivesse percebendo nada. Na verdade, o pior mesmo é que isso não é uma possibilidade, mas um fato: ele realmente não percebe nada.

Você ouve na sua cabeça todas as pessoas e todos os momentos em que teve o seu egoísmo jogado na cara. Você acha que deve se sentir culpada por ser assim, e acaba se sentindo culpada por não se sentir culpada. Você queria ter um pouco mais de força de vontade, queria ter entendido melhor os sinais, queria ter ouvido o que os outros tinham a lhe dizer, queria ter simplesmente conseguido dizer "não" por vezes o suficiente para ser completamente entendida.

Você então começa a sentir que não vai acabar nunca, mas não é mais naquele sentido romântico e bonito. É mais uma sensação de que tem algo se enroscando em você e que não vai te deixar sair. Você pensa no que era a sua vida antes, e vê que já se acostumou com isso. O ser humano se adapta às piores situações, é o que dizem. Você se adaptou, mas não queria; como uma pessoa que de repente tem que morar num lugar muito mais frio do que antes. Você pensa sempre no que poderia não estar fazendo, no que poderia não estar tendo obrigação de fazer, pensa em como era a vida quando tudo não parecia ainda com uma obrigação que leva a um objetivo definido que agora você acha nojento. Talvez nojento seja uma palavra muito forte, ou talvez seja apenas você não querendo ofender de novo. Você pensa em como as coisas chegaram a esse ponto.

As pessoas olham para vocês e provavelmente também não percebem. Está tudo muito bem, visto de fora e, pensando bem, se você fechar os olhos e esperar acabar, até dá pra fingir que você também está achando tudo ótimo. E então você se dá conta do que acabou de pensar e o nojo se volta contra você, que está aí prostituindo seus sentimentos por alguns momentos de paz. Por alguns poucos e valiosos momentos em que ele não está lá. E você tem medo, afinal, de tudo isso.

E apesar de tudo isso, você ainda não quer magoar ninguém. Você só quer uma vida diferente. Se vai ser melhor ou pior, você não sabe, só quer que não seja sempre igual. Você está sempre esperando que ele milagrosamente se apaixone por uma outra pessoa, ou que fique com raiva o suficiente de você para não querer mais vê-la. Ou, na melhor da hipóteses, você só quer que vocês voltem a ser amigos, como nunca deveriam deixar de ter sido. Mas, é claro, não te parece que ele vá conseguir entender esse conceito de amizade em particular. Na verdade, o que parece é que ele nunca entende nada do que você diz. Não por burrice ou falta de vontade, mas simplesmente porque há um abismo entre vocês.

Ele, por exemplo, nunca vai entender o quanto te ofendeu, muito menos que isso não tem nada a ver com xingamentos explícitos. Ele nunca vai entender o que se quebrou, porque quebrou em você, e ele não pode sentir. Ele nunca vai entender que você nunca esqueceu não porque é vingativa e cruel, mas sim porque está irreversivelmente magoada. Ele nunca vai entender que outras pessoas não têm nada a ver com isso. Ele nunca vai entender que todo o problema é uma via de duas mãos, e que quando você diz "a culpa não é só sua" você não está tentando não ofender. Está apenas sendo sincera.

Mas, enfim, não tem conserto, mas você não acha que ele vá entender.

2 comentários:

morgana gomes disse...

E ao ler esse post eu me coloquei no lugar das duas pessoas(tô ficando muito boa nisso n) e... e... eu tô muito mal pra falar sobre.

Bruno Melo disse...

Moony,

Eu me identifiquei tanto com alguns trechos que me assustei. Começar a se enxergar assim tão facilmente, e quase como se eu estivesse falando para mim mesmo. Tenso, assustador e faz bem.

;**