Comecei a escrever isso há alguns dias, mas só consegui terminar hoje. Atrasos à parte, esse texto é para a Katherine (aka Júlia) - tenho problemas em associar nicks a nomes, oi - que fez aniversário ontem. Espero que tu goste.
(só um devaneio: eu acredito que pessoas que ganham histórias são muito especiais e essa, obviamente, não deve ter sido a única que tu ganhou ou ganhará. afinal, escrever é o que temos de mais íntimo e querido, e estas setecentas e poucas palavras são pedacinhos de mim, e por extensão de mais um monte de gente. somos todos uns corações partidos, afinal, mas esse nem sempre é o lado triste, não é?)
*
As pessoas – especialmente as mulheres – costumavam lhe dizer que homens não sofrem por amor. Você não sabia exatamente no que acreditar, porque, bem, elas diziam isso e logo depois estavam suspirando pelos dilemas amorosos dos galãs das novelas. Aconteceu com essa definição o mesmo que aconteceria com todas as outras que lhe deram; devagar, quase sempre tortuosamente, você escolheria o que era verdade e o que não era, e isso é sempre tão arriscado. Mas você sempre acaba se sentindo orgulhoso por quebrar a cara pelos seus próprios erros.
(ah, sim. a maior liberdade de todas, poder errar por si)
Mas lá estava ele, a despeito de todas as definições. Você, é claro, já não era mais nenhum garotinho e sabia que sofrer por amor não era exclusividade das mulheres. Você mesmo já tinha passado por isso, mas ao mesmo tempo em que essa deveria ser a prova de que precisava, também lhe fazia pensar se você apenas não passava de um romântico.
Você sempre notou que as pessoas também costumam enfatizar essa palavra, de duas maneiras bem específicas. Havia quem dissesse romântico com um suspiro de identificação e quem dissesse com um bufo de desdém. Você estava bem no meio dessas pessoas, sem saber se deveria ser cético ou sorrir. Ou os dois ao mesmo tempo.
(era tão mais fácil quando os erros eram dos outros, não era? ter culpa – ou melhor, saber-se culpado – lhe trazia uma espécie de prazer um tanto mórbido e especialmente egoísta; não precisar de ninguém para errar, saber que o que dá certo ou errado – especialmente o que dá errado – é conseqüência dos seus atos. ninguém lhe disse que ia ser fácil, você também não esperava que fosse, e então aqui estamos.)
Lá estava ele, afinal, sentado no banco do metrô, olhando ora para as próprias mãos, ora para a janela à sua frente. Você nunca gostou desses bancos virados para o lado oposto do vagão, porque eles obrigavam as pessoas a olharem umas pras outras e ninguém se sente confortável em fazer isso hoje em dia. Até olhar para frente exigia todo um complicado ritual cujo objetivo era conseguir fazer de forma convincente a cara de não-estou-olhando-pra-você-estou-interessado-apenas-na-janela. A janela que, na verdade, geralmente não tinha nada especial que despertasse o interesse, mas estava ali para que as pessoas pudessem olhar para qualquer coisa.
O fato é que os olhos sempre são atraídos por alguém ou por alguma coisa, especialmente os seus. Você não consegue parar de procurar algo pra olhar, e naquele dia você o viu. Naquele dia você não se arrependeu de ter sentado de frente para outro banco, porque podia fingir estar olhando para a janela e na verdade olhar para ele.
(just another Jack)
Você cantarolou mentalmente o verso da música que provavelmente nem existia.
Jack, o homem do metrô, também tinha os olhos inquietos. Paravam em vários outros lugares no caminho que faziam das mãos para a janela e da janela para as mãos. Jack tinha os olhos úmidos de quem está constantemente prestes a chorar, e não parecia patético por isso.
(just another Jack)
Jack tinha muitas coisas interessantes que fariam você olhar para ele, mas tinha uma coisa em particular pela qual você não tiraria os olhos dele e ao mesmo tempo gostaria de desviá-los.
(I’m not just another Jack)
Jack tinha um coração partido.
Exatamente como o seu.
Partido pelo simples fato de não conseguir segurar tanto amor dentro de si.
(I’m not just another Jack)
Lá estavam vocês, um de cada lado de um vagão cujas luzes piscavam e estalavam de quando em quando, não conhecendo nada mais do que alguns momentos da vida um do outro, transbordando de amor e não tendo onde colocá-lo.
Você queria sentar ao lado de Jack e lhe contar um segredo. Queria contar para ele que você também não sabia onde colocar todo esse amor, mas que isso não era ruim. Queria contar para ele que seus corações partidos batiam por um motivo.
(can you hear it? that’s the sound of my love beating)
Você queria dizer para ele que esse amor foi feito para transbordar.
(bleeding)
Que ele é exatamente como os seus olhos inquietos.
(exploding)
Que ele não pára em um lugar só por muito tempo, mas quando o faz é com tanta intensidade que chega a doer.
(soaking)
Você sorri para Jack e seus inquietos olhos úmidos. Ele sorri de volta e olha para as próprias mãos. Ele sabe.
E, mesmo assim, você gostaria de apenas lhe dizer que quem quer que tenha lhes dado aqueles corações partidos fez um bom trabalho.
(I’m Jack’s broken heart)