Cheiros me lembram coisas com uma intensidade absurda. Muitas e muitas vezes, dentro do ônibus ou simplesmente andando por aí, eu senti um cheiro qualquer e imediatamente me veio à memória alguma cena completa, em detalhes, de algo que aconteceu no passado. Às vezes é mais vago, e em vez de uma cena é só um período. Existe o cheiro do primeiro semestre do técnico (um perfume doce que uma amiga usava; o cheiro de cartas de Magic; o perfume que outro amigo usava; o cloro da piscina, também facilmente relacionável ao segundo semestre), existe o cheiro das manhãs de quando eu era criança e ia pro colégio a pé (aquele cheiro úmido de manhã, de asfalto molhado, dá até pra sentir os passarinhos cantando nesse cheiro), existe o cheiro específico dos livros (livros que cheiram a primeira edição de Harry Potter, livros que cheiram a livro de Estudos Sociais, livros que cheiram a livro de Geografia, livros que cheiram a revista), existem muitos e muitos cheiros e eu nunca conseguiria listar todos eles. Engraçado é que eu não gosto de lembrar de muita coisa, mas sentir um cheiro é instantâneo, não tem como evitar a lembrança, não é um ato totalmente consciente. Você só pode aceitar. Outro dia, acho que ainda no mês passado, eu cheguei no terminal um pouquinho mais tarde que de costume e não consegui ir sentada no ônibus por pelo menos uma meia hora. Não achei tão ruim porque estava chovendo, então não tinha sol. É estranho em pleno outubro, mas dia sim dia não dava uma chuvinha de manhã. Quando eu tava no ônibus era quase uma hora da tarde e ainda chovia um pouco. Acho que era uma sexta-feira, e uma paz me invade nas sextas-feiras por saber que o dia seguinte é sábado. Como eu estava de pé, não pude ir ouvindo música e não estava disposta a fazer malabarismo com os fones. Fiquei ouvindo os barulhos ao redor, as pessoas conversando, as buzinas. Em um pacto silencioso, resolveu-se que eu iria me sentar quando o homem que estava perto de mim se levantasse; não sei como se dão essas relações instantâneas em ônibus, aliás, dificilmente sei como se dá qualquer relação entre humanos, são todas complicadas e ao mesmo tempo absurdamente simples, então é difícil dizer; é a pessoa que te escolhe pra dar o lugar, é a pessoa que segura tuas coisas, é a pessoa que você encontra todo dia, é o trocador simpático (trocadores simpáticos fazem o meu dia, sério), é a pessoa que te avisa que alguém meteu a mão na sua bolsa na fila. Acontece que naquele dia estava chovendo, a água escorria pelo vidro e eu gosto dessa imagem, e o cheiro era uma mistura de asfalto molhado com ônibus abafado, porque obviamente as pessoas começam a fechar as janelas pra não entrar água, e o dia seguinte era sábado. Felicidade é um conceito tenso e instável, mas acho que posso dizer que estava feliz naquela hora.
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