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2012-10-08

Billy Elliot e a porta do armário


Depois de ter feito uma prova horrível simplesmente por não ter estudado a tempo, outra que foi boa, mas poderia ter sido melhor se eu não tivesse esquecido de fazer a primeira questão (sério, quem simplesmente NÃO VÊ a primeira questão de uma prova?), ter câimbra nas duas pernas no meio da natação, descobrir que vou voltar a ter aulas com a professora maluca que tentou me reprovar injustamente no técnico (eu já contei essa história aqui?) e estar atolada de trabalho pra fazer, no sábado passado eu só queria fechar a semana confortavelmente sentada assistindo Billy Elliot e me entupindo de chocolate.

(Billy Elliot, pra quem não sabe, é um filme sobre um menino que quer fazer balé, mas o pai não quer que ele faça porque isso é ~coisa de mulher~ etc etc)

Eu estava indo muito bem nesse meu objetivo, até minha mãe passar por ali e me ver morrendo de chorar. Ela então pergunta o que estava acontecendo no filme, e eu expliquei que [spoiler] o pai e o irmão do Billy estavam chorando porque o pai estava furando a greve dos mineiros pra juntar dinheiro pra viagem até o lugar onde vai haver uma audição pra uma escola de balé [/spoiler]. E então ela pergunta se o pai do Billy aceita que ele dance balé, se ele não acha que o menino é gay e etc. Eu, sem vontade nenhuma de começar esse tipo de conversa, pausei o filme, respirei e disse que dançar balé não significa necessariamente ser gay; e que, se ele fosse, também não haveria problema nenhum.

É claro que a coisa não terminou aí. Jamais lembrarei de todos os detalhes da conversa (que se estendeu durante um bom tempo, com o filme eternamente pausado), mas sei que ela foi passando pelos temas mais variados, desde piercings até traição (?). E, no final, aconteceu uma coisa curiosa. Quando voltou-se ao assunto da homossexualidade (sei lá como, depois dessa volta toda), minha mãe repetiu algumas vezes, com a maior cara de minha filha eu sei que você é sapatão, que se tivesse um filho gay não ia desprezar, mas também não ia gostar nunca. 

Eu só queria mesmo ver o filme, chorar saudavelmente pela tristeza alheia e comer chocolate, mas não tá fácil pra ninguém. Já em pleno desespero, minha mãe perguntou se eu tinha algum problema.

Confusa, eu respondi que tinha sim, afinal todo mundo tem algum problema na vida.

Ela repetiu a pergunta, mais enfática. "Você tem algum problema? Você defende tanto os gays que dá pra ficar preocupada que você também tenha algum problema."

Não sei quanto tempo fiquei olhando pra ela; provavelmente alguns segundos. Entendi que "problema" significava ser lésbica (o conceito de bissexualidade mandou um beijo e disse que tá aí pra qualquer coisa). Pensei, muito rapidamente, que aquele era o momento, e que eu deveria contar. Seria melhor assim. Só que aí eu não contei.

Senhoras e senhores do júri, eu ri.

Ri porque o meu controle emocional já tinha ido pro buraco faz tempo e porque cheguei à conclusão relâmpago de que, cara, não. Apenas não. Até mais ou menos o ano passado eu tentava me convencer de que não contaria tão cedo porque ninguém tinha nada a ver com quem eu fico ou deixo de ficar e, de brinde, ainda evitaria problemas maiores. Depois percebi que ~sair do armário~ já não era tanto uma questão de "contar que também gosto de meninas", mas era quase uma... a expressão vai ficar meio fora de lugar, mas considerem como uma aproximação: quase uma posição política, por assim dizer. Quando perguntada (milhões de vezes) por que eu defendia tanto essas pessoas, minha resposta invariável e meio vaga era dizer que é porque isso faz parte do eu acredito. Mas é difícil, terrivelmente difícil, arranjar sempre um subterfúgio pra não dizer que é também parte do que eu sou, que eu também estou entre essas pessoas e que tudo que faz mal a elas também faz a mim.

Não acho que exista alguma pessoa no mundo que não teria percebido no meu rosto a resposta óbvia à pergunta mais recente da minha mãe. Mas dei a volta e fiquei com as respostas dúbias de novo. Eu não sei se ela entendeu, e ela não sabe se eu falei. Eu queria ter dito, mas acabei voltando a pensar mais ou menos como antigamente. Mas o fato é que ela perguntou se eu tinha um problema, e isso matou qualquer chance de me convencer a falar qualquer coisa.

Porque não, cara. Problema eu não tenho. 

3 comentários:

Bitcherry disse...



Você podia ter falado que seu problema era ter uma mãe preconceituosa, que de fato é o único problema nessa história aí.

Luísa. disse...

*abraço*

Anônimo disse...

que merda sua mãe se comportar assim, muns. se você tem algum problema, é de ser linda demais pra esse mundo escroto. <3

minha mãe também é mestre na cara de "filha sei que você é sapatão", mas de um jeito bem mais divertido :~ no começo eu entrava meio em pânico (até hoje não consegui falar isso pra ela, sabe-se lá porque), hoje acho engraçado e fico falando sapatices perto dela de propósito e ficamos nessa de eu-sei-que-você-sabe-que-eu-sei.