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2011-10-25

The eye inside

Todo episódio em Six Feet Under começa com uma morte. No episódio que tem exatamente esse mesmo título aí do post, tem essa moça que está saindo de algum lugar (não me lembro qual) e vai andando pela rua, de noite. Um grupo de homens de repente começa a segui-la e assoviar e dizer coisas (hey bitch, we just wanna have fun, you know what’s gonna happen), e ela, claro, se apavora. Todos nós sabemos o que significa um grupo de homens seguindo uma mulher altas horas da noite numa calçada deserta. Então ela corre. Eles correm também. Então ela atravessa a rua, tentando se afastar, e nesse momento um dos caras a chama pelo nome: eram os amigos dela, eles estavam só brincando. Ela se vira pra olhar, não pode acreditar que são eles, e então é atropelada pelo carro que estava vindo atrás.

Eu vi esse episódio há coisa de uma semana, e desde então volta e meia me pego pensando nele. No rosto dela – e, sim, eu sei que é ficção, mas foda-se. Em como, mesmo sendo ficção, essa situação é factível. Em como no resto do episódio os homens ficam pensando, tentando entender por que ela ficou tão assustada se era só uma brincadeira.

Isso me lembra aquela piada do Rafinha Bastos sobre mulher feia e estupro. O assunto é antigo, sim, mas o que tem por trás dele é mais ainda. Quando eu paro pra pensar que é isso que faz as pessoas rirem, eu tenho certeza de que tem uma coisa fundamentalmente errada aí. As pessoas riem de piadas de estupro porque acham engraçado. Mais tarde elas riem também das pessoas que reclamam dessas mesmas piadas porque acham que é frescura, exagero, butthurt.

Estupro não é engraçado. Eu poderia citar muitas coisas que não são engraçadas, e estupro sempre seria uma das primeiras. Não consigo entender por que as pessoas não conseguem entender um conceito tão simples. Cada vez mais eu tenho certeza de que o que mais falta no mundo é a boa vontade de parar pra ouvir. Mas eu quero dizer ouvir mesmo, sabe? Porque essas coisas acontecem porque todo mundo é acostumado a isso, e ninguém quer parar pra repensar uma coisa na qual está acostumado. E aí é isso que acontece.

Quando me perguntam por que eu não tô no “movimento” por causa da greve do IFCE, eu brinco dizendo que não nasci com o gene Che Guevara. Muitas vezes por pura preguiça, outras porque não tenho mais saúde pra isso, and I’m not even kidding. Mas até que eu queria  ter, sabia? Porque, sabe, que porra eu to fazendo agora? Eu tô sentada na frente do computador. Só isso. Tô sentada na frente do computador.

Às vezes isso volta a me incomodar. Essas coisas em que eu acredito, essas coisas básicas, digamos que os meus pilares, essas coisas eu não defendo como deveria. Eu tô sentada na frente do computador. Eu só interfiro muito pontualmente. E, de uns tempos pra cá, muitas vezes nem falar eu falo mais. É que chega uma hora que cansa, sabe. Eu sou humana, terrivelmente humana, não posso evitar de ser. E eu canso, e não aguento, e não tenho mais a mesma disposição pra defender meu ponto com quem eu sei que não vai ouvir, mesmo que eu esteja certa. Foi-se o tempo... Eu ouço, guardo e me sinto mal, fico pensando. Esses dias mais do que de costume. Eu respondo over and over and over again na minha cabeça, mas imagino as respostas também e acabo ficando pior.

De certa forma, eu tô respondendo agora. Não é o ideal, mas é o máximo que eu consigo fazer no momento. É só que chegam essas horas em que as coisas começam a ficar mais pesadas ainda, essas horas em que eu realizo que vivo num lugar onde estupro é engraçado, num lugar onde muita e muita gente simplesmente não faz mais questão de viver.

(Isso me lembra o suicídio. Isso me lembra aquela opinião super comum por aí de que os suicidas são covardes, querem chamar atenção, e o caralho babaca a quatro. Cara, eu não quero que ninguém se mate, veja bem, mas vai dar meia hora de bunda antes de dizer isso. Antes de falar como se soubesse pelo que as pessoas passam e tivesse o direito de decidir se isso é relevante ou não. Se ela tem motivo ou não para querer viver ou deixar de viver. Posso te garantir que isso não ajuda em nada, e já dizia minha avó que se não é pra ajudar, então pelo menos não atrapalha.)

Em Doctor Who tem esse planeta chamado Midnight, que é muito bonito e todo feito de diamante, mas as pessoas que visitam ele não podem sair de dentro da nave. A radiação do lado de fora é muito forte e elas morreriam. Me ocorre que a Terra não é muito diferente de Midnight; um lugar muito bonito – em vários sentidos -, mas extremamente hostil.


2 comentários:

Ewerton Menezes disse...

Digníssimo.

.laurel. disse...

Digníssimo [2]

seus textos têm descrito muito o que venho sentindo.