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2012-10-23

You know, they didn't even give us a chance


Christ, you know it ain't easy
You know how hard it can be
The way things are going
They're gonna crucify me



Eu estava assistindo Lennon Naked e pensando nos meus ídolos e até mesmo nos personagens com quem me identifico. Cheguei à conclusão de que é um bando de gente que se fodeu muito na vida (quem nunca, não é mesmo), mas também cheguei à outra conclusão interessante: mas que bando de gente escrota são essas pessoas que eu gosto tanto.

"Say, what're you doing in bed?"
I said, "we're only trying to get us some peace"
Vou citar John Lennon, Sirius Black, James Potter e Brian Kinney. Abstraiam o fato de que os três últimos são personagens fictícios (e dois de Harry Potter) porque, né, pra que se ater a esses detalhes? Biografias, filmes, livros e, no caso do Brian, uma série, me mostram que esses caras eram insuportáveis. Veja bem, eles não apenas eram arrogantes, ou tinham opiniões controversas, ou eram grossos; além disso tudo, eles fizeram coisas erradas, tipo ser escroto com a primeira esposa e com o filho (oi John), jogar os coleguinhas para lobisomens (oi Sirius), ser um bully (oi James) ou simplesmente ser escroto, porque o Brian meio que extrapola as definições de paunocuzice.

Meu coração pensa nessas coisas? Olha, até pensa. Mas eu como a biografia do John com farofa e choro quando lembro que ele morreu (sou dessas ok, lide com isso). Vejo o Aaron Johnson e o Christopher Eccleston reproduzindo o timbre da voz dele e o sotaque e derreto. Você não quer me ver assistindo meus bons dvds dos Beatles, trust me. Você não quer me ver assistindo  as entrevistas do John, porque olha. 

Sirius é outro com o qual atingi um nível assustador de identificação, em parte pelo que eu li e em parte pelo que imaginei em cima disso e transformei em headcanon. Com o James o sentimento é mais de nostalgia, de pensar que ele ainda poderia ter feito muita coisa, e não pôde.

Eu poderia dizer que gosto do Brian porque ele é bonito, porque ele derrete corações e incendeia cuecas, e seria verdade também (me deixa), mas o fato é que ele é o mais próximo que eu já vi um personagem chegar da escrotice autêntica; aquela que é apenas porque é, sabe? Ainda escrevo uma tese sobre o Brian, tô dizendo. Na verdade, um dos mais fortes motivos pra eu ter começado a reassistir Queer as Folk foi justamente pra poder fazer isso.

Não é que eu feche os olhos para as coisas ruins e finja que todo mundo é perfeito - eles não são. Talvez seja justamente por isso que eu goste tanto dessas pessoas. De algum modo elas me dizem que ser humano é tão maior que transcende aquilo que pensamos que nos faz gostar ou desgostar instantaneamente uns dos outros - e olha que alguns desses caras nem existem. 

Eu não sou uma pessoa fácil de se conviver; essa é uma característica que não dá pra notar (muito) na internet, mas às vezes nem eu me aguento. Fico imaginando como as pessoas que convivem comigo 24/7 conseguem essa proeza. Quando consigo perceber o quão intragável estou sendo, penso que isso meio que anula tudo de bom que possa fazer. Quantas pessoas ainda conseguem te amar quando são continuamente expostas ao seu pior, eu me pergunto. Acho que é isso que eu vejo nas pessoas, digamos, duvidosas com quem eu me identifico. 

Eu vejo uma chance.

2012-10-08

Billy Elliot e a porta do armário


Depois de ter feito uma prova horrível simplesmente por não ter estudado a tempo, outra que foi boa, mas poderia ter sido melhor se eu não tivesse esquecido de fazer a primeira questão (sério, quem simplesmente NÃO VÊ a primeira questão de uma prova?), ter câimbra nas duas pernas no meio da natação, descobrir que vou voltar a ter aulas com a professora maluca que tentou me reprovar injustamente no técnico (eu já contei essa história aqui?) e estar atolada de trabalho pra fazer, no sábado passado eu só queria fechar a semana confortavelmente sentada assistindo Billy Elliot e me entupindo de chocolate.

(Billy Elliot, pra quem não sabe, é um filme sobre um menino que quer fazer balé, mas o pai não quer que ele faça porque isso é ~coisa de mulher~ etc etc)

Eu estava indo muito bem nesse meu objetivo, até minha mãe passar por ali e me ver morrendo de chorar. Ela então pergunta o que estava acontecendo no filme, e eu expliquei que [spoiler] o pai e o irmão do Billy estavam chorando porque o pai estava furando a greve dos mineiros pra juntar dinheiro pra viagem até o lugar onde vai haver uma audição pra uma escola de balé [/spoiler]. E então ela pergunta se o pai do Billy aceita que ele dance balé, se ele não acha que o menino é gay e etc. Eu, sem vontade nenhuma de começar esse tipo de conversa, pausei o filme, respirei e disse que dançar balé não significa necessariamente ser gay; e que, se ele fosse, também não haveria problema nenhum.

É claro que a coisa não terminou aí. Jamais lembrarei de todos os detalhes da conversa (que se estendeu durante um bom tempo, com o filme eternamente pausado), mas sei que ela foi passando pelos temas mais variados, desde piercings até traição (?). E, no final, aconteceu uma coisa curiosa. Quando voltou-se ao assunto da homossexualidade (sei lá como, depois dessa volta toda), minha mãe repetiu algumas vezes, com a maior cara de minha filha eu sei que você é sapatão, que se tivesse um filho gay não ia desprezar, mas também não ia gostar nunca. 

Eu só queria mesmo ver o filme, chorar saudavelmente pela tristeza alheia e comer chocolate, mas não tá fácil pra ninguém. Já em pleno desespero, minha mãe perguntou se eu tinha algum problema.

Confusa, eu respondi que tinha sim, afinal todo mundo tem algum problema na vida.

Ela repetiu a pergunta, mais enfática. "Você tem algum problema? Você defende tanto os gays que dá pra ficar preocupada que você também tenha algum problema."

Não sei quanto tempo fiquei olhando pra ela; provavelmente alguns segundos. Entendi que "problema" significava ser lésbica (o conceito de bissexualidade mandou um beijo e disse que tá aí pra qualquer coisa). Pensei, muito rapidamente, que aquele era o momento, e que eu deveria contar. Seria melhor assim. Só que aí eu não contei.

Senhoras e senhores do júri, eu ri.

Ri porque o meu controle emocional já tinha ido pro buraco faz tempo e porque cheguei à conclusão relâmpago de que, cara, não. Apenas não. Até mais ou menos o ano passado eu tentava me convencer de que não contaria tão cedo porque ninguém tinha nada a ver com quem eu fico ou deixo de ficar e, de brinde, ainda evitaria problemas maiores. Depois percebi que ~sair do armário~ já não era tanto uma questão de "contar que também gosto de meninas", mas era quase uma... a expressão vai ficar meio fora de lugar, mas considerem como uma aproximação: quase uma posição política, por assim dizer. Quando perguntada (milhões de vezes) por que eu defendia tanto essas pessoas, minha resposta invariável e meio vaga era dizer que é porque isso faz parte do eu acredito. Mas é difícil, terrivelmente difícil, arranjar sempre um subterfúgio pra não dizer que é também parte do que eu sou, que eu também estou entre essas pessoas e que tudo que faz mal a elas também faz a mim.

Não acho que exista alguma pessoa no mundo que não teria percebido no meu rosto a resposta óbvia à pergunta mais recente da minha mãe. Mas dei a volta e fiquei com as respostas dúbias de novo. Eu não sei se ela entendeu, e ela não sabe se eu falei. Eu queria ter dito, mas acabei voltando a pensar mais ou menos como antigamente. Mas o fato é que ela perguntou se eu tinha um problema, e isso matou qualquer chance de me convencer a falar qualquer coisa.

Porque não, cara. Problema eu não tenho.